Jornal do Commércio, em 15/05/2014

Até onde a convulsão destes dias resulta de um acelerar-se da consciência social de seu choque com o Brasil arcaico ou, ainda, de uma impaciência com a incapacidade do Estado em atender aos reclamos da cidadania emergente? De logo, na oposição à Copa, irrompe o imperativo da melhoria social do país. Disparam os contrastes, entre as somas despendidas com o Mundial e o que poderia ser destinado à melhoria da saúde e da educação, ou da segurança pública. E o confronto é eloquente, e precário o argumento em favor da visibilidade internacional do Brasil, e do sucesso turístico do espetáculo.

Ao mesmo tempo, aí está o avanço inquietante do justiçamento pela coletividade, na gritante impaciência com a ação da polícia e dos poderes públicos, a evidenciar a insuportável burocratização do Estado. É como se a sociedade civil despertasse de um conformismo com os vagares na ordem pública e o torpor da máquina da justiça.

Atentar-se-á também ao quanto, nos últimos meses, regride o levante do povo na praça, a por a perigo a própria subsistência, como pensado a princípio, do sistema representativo. Entrevia-se, até, o paradoxo desse novo avanço institucional, representado pelo recurso aos plebiscitos, e à perene utopia das democracias diretas. Registra-se, sim, nesse arrefecimento, a soma de um cansaço com a concentração da violência em guetos estéreis de protesto. Cada vez mais se insulam os black blocs, e são eles confrontados pelo volume desse mesmo protesto de um povo que, pacificamente, se recusa a “entrar nos eixos”, como aspiraria o velho status quo, confundido com a verdadeira e dinâmica ordem pública. Talvez, inclusive, e já no avanço de outra utopia radical, emerge o anarquismo no clamor pela primitiva impunidade, numa visão grosseira do papel dos controles sociais.

O que desponta, num somatório e de maneira inquietante, nesses choques de toma de consciência, é o quanto tarda a identidade entre o desenvolvimento e a legítima percepção de mudança, a mostrar como as oposições ainda não se dão conta de que as alternativas não podem envolver a quebra das opções decisivas pelo aumento do papel do Estado na vida econômica, pela redistribuição de renda, pela imediata expansão do mercado interno, representado pelas prioridades, irretorquíveis, da constante melhoria do salário-mínimo ou do Bolsa-Família. Consolidada, hoje, a nossa democracia, numa sucessão de mandatos, não pode, em seu nome, frustrar o que é opção, sem volta, por um Brasil “para si”.

Membro do Conselho das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

 

 

Aguarde, realizando operação...