Jornal do Comércio, em 29 de abril de 2016

A recém-terminada conferência das Nações Unidas, em Nova York, sobre ecologia nos situa diante do estado de consciência universal quanto aos avanços do bem-estar ou do dito “bem comum” em nosso tempo. O comparecimento da totalidade dos Estados e a volta das contribuições nacionais para a mitigação das mudanças climáticas contrastam com o pouco avanço dos direitos humanos em nosso tempo. Deparamos o topo da mobilização ecológica, frente ao aumento do reconhecimento contemporâneo do bem-estar. Está em causa o que representa, na pós-modernidade, o imperativo da justiça social, em face da persistência das concentrações de renda nas coletividades nacionais e, sobretudo, nas do Terceiro Mundo. No Brasil, 3% da população continuam a deter 50% da renda nacional.

A chegada da cautela ecológica, nos dias de hoje, padece de equívocos e, sobretudo, de contradição quanto ao que seja uma verdadeira política de desenvolvimento e do advento da coletividade “para si”, frente à antiga disfunção colonial. E tal começa, por força, com todo o debate da questão das chamadas reservas indígenas, na importância desse território, frente, sobretudo, aos eixos da formação da infraestrutura pedida pelo desenvolvimento. Ressalte-se, de saída, a exigência de se definirem os pesos efetivos dessa ocupação primitiva na população e no espaço nacional. No caso brasileiro, vai-se a pouco mais de 800 mil indígenas, dos quais 500 mil rurais, numa população de 210 milhões de habitantes. E, mais ainda, não há falar de núcleos intocados, mas de uma ambiguidade identitária, inclusive, dessas populações, em contato constante com o avanço do nosso hinterland e, sobretudo, de sua malha de comunicação.

Esses novos avanços enfrentam ainda a política ecológica avant la lettre, do atraso de dados fundamentais, previstos como seu suporte. Ou seja, a da precariedade de informes efetivos, por exemplo, sob a impregnação do CO2, o desbalanceamento da ocupação do território, a dimensão real do desmatamento e dos programas de recomposição florestal. O rigorismo da nova demanda ecológica atrasou, objetivamente, o começo das obras de hidroelétricas na região amazônica, como a de Belo Monte, vista como alavanca fundamental para o assento da rede urbana na Amazônia. Da mesma forma, no caso do Rio São Francisco, eixo da bacia fluvial do Nordeste, atrasou-se a política de irrigação de suas zonas áridas por um quinquênio, com base em receios da perda, pelo desvio, do fluxo hídrico do grande rio.

E até onde, nessa conversão ecológica, compensa-se a má consciência pela nossa concentração de renda e a persistente inércia na sua correção tributária? Repete-se, até mesmo nos governos de esquerda, a promessa de superar esse escândalo coletivo, atrasando-se uma “toma de consciência”, sobretudo na sua percepção midiática. Começa a inquietar, na visão do que seja o avanço do bem comum, a dominância como consciência cidadã da pós-modernidade.

Membro do Conselho das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

 

 

 

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