Jornal do Commércio, em 06/01/2015
Os votos de fim de ano e as expectativas da virada para 2015 entremostram, na irrelevância de suas frases, uma nítida saturação desse discurso. É o que só se reforça pela ditadura midiática e o óbvio do dia seguinte. Busca-se uma novidade ou um choque nas rotinas dessa domesticação do futuro e do consumismo, chegado ao tédio, sem volta. No caso brasileiro, uma efetiva surpresa é, nestes meses, o extremo a que chegou a sistematização da corrupção envolvendo a Petrobras, em níveis de competência e de apuro do mais avançado Primeiro Mundo. Avançamos da perplexidade ao espanto nesses níveis em que o apuro de um verdadeiro contra-Estado se apropriou de propinas e continua a reptar o deslinde, afinal, da sua trama.
No plano lá fora, o ineditismo desponta com a definitiva ruptura de toda coexistência internacional e no confronto do Estado Islâmico, que torna obsoleto o terrorismo da Al-Qaeda e proclama o abate, sem trégua, dos infiéis, entendidos como a larguíssima maioria da humanidade.
O choque permanentemente adiado, entretanto, dos nossos dias é o da toma de consciência do mundo virtual e do que seja esse universo de comunicação que cria, hoje, uma fratura geracional com a sociedade ainda dominante na última trintena. O repto vai, mais fundo, à própria ideia do relacionamento coletivo e, sobretudo, do acesso ao conhecimento, ao evidenciar, hoje, o obsoletismo do livro, contra todo dado que não seja instantâneo, e a aposentadoria da memória, através da onisciência do Google.
Apenas começamos a nos dar conta do imediatismo dessa informação, que nos aparta até do que, até hoje, com a modernidade, era o próprio cenário do reconhecimento do outro, trocado pelos incessantes selfies e a absoluta desnecessidade da lembrança.
A inércia clássica dos “bons votos” de ano novo depara, em nossos dias, esse desafio novo da pós-modernidade, escondido na armadilha de um presente que não pode disfarçar o quanto dista, em anos-luz, do embalo de seu recentíssimo passado.
Membro do Conselho das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.